Histórico

A história da Escola de Serviço Social de Niterói

Profa Dra Rita de Cássia Santos Freitas

Coordenadora do Núcleo de Pesquisa Histórica sobre Proteção Social/

Centro de Referências Documentais

A Escola de Serviço Social de Niterói iniciou suas atividades no dia 23 de agosto de 1945, à Rua Tiradentes, 148, tendo sido criada pelo Decreto Estadual 1.397 de 06/07/1945.

A escola surge como uma unidade isolada e persiste nessa condição de 1945 até 1954, sendo mantida, em parte pelo Estado e em parte pela LBA. A oficialização da ESS enquanto instituição pública estadual ocorre pela Lei n 2.196 de 23/07/1954 que a subordinava à Secretaria de Educação e Cultura. Em 1958, a Lei Estadual 3.656 de 12/06/1958 integra a Escola de Serviço Social, de Enfermagem e de Engenharia à Universidade Fluminense que passa a se chamar Universidade do Estado do Rio de Janeiro[1]. A federalização da universidade só acontece com a Lei 3.848 de 18/12/1960 que cria a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UFERJ), vinculada ao MEC[2].

É importante enfatizar que os anos quarenta foram anos de grande movimentação na área social. No final do Primeiro Governo Vargas podemos ver emergir um grande número de instituições nesta área (o SENAI, o SESI e a LBA são grandes exemplos). A criação da LBA, em 1942, demarca uma redefinição no Estado brasileiro com a incorporação da pobreza e da miséria ao discurso oficial. Esse é o “mote” que gera a necessidade de profissionais preparados para atuar na área social. Assim, no contexto da Segunda Guerra Mundial, a primeira-dama brasileira, Darcy Vargas, fundou a Legião Brasileira de Assistência (LBA), com o objetivo de prestar atendimento às famílias dos pracinhas. Sua filha, Alzira Vargas, primeira-dama do Estado do Rio de Janeiro (cuja capital era Niterói) organiza, então, a LBA Fluminense. Aos poucos foi se percebendo a necessidade de um aperfeiçoamento técnico para essas pessoas. Nesse momento, a figura de “Alzirinha” Vargas assume importante relevo na montagem dos primeiros cursos e da própria Escola de Serviço Social de Niterói.

Em 1943, a LBA Fluminense organizou cursos intensivos de treinamentos do voluntariado: Noções de Enfermagem, Defesa Civil, Nutricionista e o de Visitadoras Sociais, coordenado por Maria Esolina Pinheiro (uma das pioneiras da hoje Escola de Serviço Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ). Este último é o embrião para a criação da Escola de Serviço Social de Niterói – uma escola tecida por mãos femininas e que congregou diversas mulheres interessadas em também fiar um tempo diferenciado e tingir com novas a paisagem local.

Trata-se de uma escola criada por mulheres e que foi gerenciada, em grande parte, por estas mãos. Mulheres de Niterói, mulheres do interior do Estado que saíam de seus cotidianos e adentravam o mundo público na tentativa, nas palavras de uma de suas primeiras alunas, de “dar uma melhor formação técnica às Visitadoras Sociais” que já atuavam “com dedicação e certa eficiência” (entrevista Violeta Campofiorito – Acervo NPHPS/CRD).

A equipe que organizou a Escola de Serviço Social de Niterói era composta por D. Yolanda Maciel, indicada pelo Centro de Estudos Sociais de São Paulo, e pelas supervisoras Petra Maria Calazans e Heloisa Marcondes Faria. A primeira turma formou professoras e supervisoras de Serviço Social que contribuíram para a construção e organização do aparato de proteção social no município e para compor o futuro quadro de professoras.

No Rio de Janeiro já existiam outras três Escolas de Serviço Social. No entanto, a de Niterói tem um diferencial: a sua estreita relação com o poder público, pois era mantida em parte pela LBA e em parte pelo Estado; as alunas não pagavam mensalidades e suas turmas não eram apenas compostas por moças da alta sociedade, mas por professoras primárias vindas do interior do Estado que recebiam integralmente seus salários para depois de formadas retornarem às suas cidades (o que nem sempre aconteceu; muitas dessas mulheres aqui permaneceram e passaram a fazer parte do quadro de professoras da escola). Ainda compunham as turmas, também, funcionárias das poucas instituições sociais existentes (LBA, SESC, SESI).

Em 1946, a LBA decide focar suas atividades no atendimento à maternidade e a infância, transferindo os demais “casos dolorosos” para a ESSN. Cria-se então o chamado Escritório Central, uma espécie de agência onde as alunas, devidamente supervisionadas pelas professoras da área, resolveriam tais casos, servindo como um campo de estágio, onde “aprenderiam fazendo” – um primeiro esforço para aperfeiçoar as futuras assistentes sociais. E elas não demoraram em colocar as mãos na obra. Estas mulheres relembram o modo como a escola abria-se para a comunidade “passando a ser um centro de convivência, onde estudantes de outras faculdades se reuniam e os principais movimentos particulares ou do governo, nacionais ou internacionais, eram discutidos em seminários e encontros comunitários” no interior da ESSN” (Entrevista Violeta Campofiorito – Acervo NPHPS/CRD). O antigo prédio da Rua Tiradentes, 148, logo se tornou um espaço aberto onde professores, alunos da escola e de outros cursos se encontravam em festas, festivais e reuniões. Assim, a vida cultural da cidade de Niterói e o dia-a-dia da Escola de Serviço Social se entrelaçaram.

Na formação de suas primeiras turmas, pode-se destacar como uma das especificidades de nossa escola o fato de que não houve o predomínio de mulheres socialmente privilegiadas; ao contrário, houve intensa participação de professoras primárias do interior do Estado que vinham à cidade e à escola na busca de uma nova profissão, através da concessão de bolsas de estudos. Outra especificidade que pode ser vista é que se as primeiras escolas de Serviço Social surgem com a marca forte do discurso católico, a Escola de Niterói (ainda que possua em seu interior mulheres de formação católica) tem sua identidade, desde o início, assentada no Poder Público.

Essas “saídas” (utilizando um termo da historiadora francesa Michele Perrot) não só mudaram a visão de mundo dessas mulheres – já que se fazia necessário realizar obras, fazer visitas domiciliares e atividades diversas das quais as mulheres não estavam familiarizadas –, mas também abriram caminhos para a amplitude (e ampliação) do trabalho social. A transformação da filantropia em trabalho social representa, de fato, um momento decisivo dessas saídas, já que com o passar do tempo fez-se necessário a profissionalização das mulheres.

É importante entender a conjuntura de então. A bibliografia era pouca. As idéias circulavam com relativa dificuldade e havia poucos estudos sobre nossa realidade. Não havia uma regulamentação para o exercício profissional nem mecanismos associativos. Tudo, na verdade, estava por se fazer. Todas, então, faziam traduções destes materiais adquiridos nas viagens e utilizavam como bibliografia das disciplinas e, partindo destes conhecimentos, começaram a desenvolver produções acadêmicas próprias. A partir daí, surgiram convites para dar cursos e palestras em vários estados brasileiros e outros países, e as professoras da ESSN – em conjunto com outras pioneiras das outras escolas – tornaram-se referência em vários aspectos para a categoria dentro e fora do país, formando uma rede para além de nossas fronteiras. Continuando a narrar as práticas destas mulheres, podemos citar o papel desempenhado por elas nas associações de classe, como a Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social (ABESS), a Associação Brasileira de Assistentes Sociais (ABAS), no Conselho Federal de Assistentes Sociais (CFAS) – hoje, Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) e no Conselho Regional de Assistentes Sociais (CRAS) – hoje CRESS – e da Associação Profissional de Assistentes Sociais.

                               ABESS - 1954

As metodologias de intervenção profissional estavam em construção. De uma metodologia mais globalizada, onde não havia divisão por especialidades, por influência norte-americana o Serviço Social na Escola, após a regulamentação do ensino que ocorreu em 1955 passou a ser classificado em cátedras de Caso, Grupo e Comunidade. Outro desafio era criar cursos de aperfeiçoamento após a graduação, como mestrados e doutorados em nosso país, nossas pioneiras, iam buscá-los em outros países. Essas pioneiras percorreram a Europa, mas, sobretudo os EUA e os países latino-americanos.

Em 1951, D. Yolanda Maciel se afasta da escola e retorna para São Paulo. Em três de novembro deste mesmo ano sai a nomeação de D. Violeta Campofiorito de Saldanha da Gama (primeiro como interina e depois como efetiva) que ficaria na direção da Escola até 1966. Neste ano, em doze de abril sai a nomeação de D. Nilda de Oliveira Ney. Em pleno regime militar, esta mulher assume a direção da escola que, mantendo uma inserção intensa na vida cultural e política do município, era tida, naquele momento como o “Moscouzinho de Niterói”. A título de curiosidade, logo após o Golpe Militar de 1964, a escola exibiu uma faixa preta de protesto que cobriu o prédio, ato político organizado pelo do DAMK (Diretório Acadêmico Maria Kiehl). Em sua dependência, estudantes se organizaram e protestaram, afirmando a postura crítica sempre presente na Escola, que se caracteriza por práticas plurais e comprometidas com a formação dos alunos e da organização da proteção social no município.

O que nos chama atenção quando ouvimos os relatos dessas mulheres, é o fato como se articularam para um intercambio; seja nacionalmente, conhecendo escolas por todo o Brasil, fazendo cursos, indo as Convenções da ABESS (na época Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social); seja internacionalmente, trocando experiências com países da América Latina, mas também com os Estados Unidos (segunda grande influencia no Serviço Social do Brasil) ou a França.

O início de nossa história nos remete à Rua Tiradentes. Posteriormente, a escola se instalou na Rua Almirante Tefé, s/n, no Centro (após passar um curto período no prédio da Reitoria). Hoje, a escola se situa no Campus do Gragoatá, Bloco E, de onde podemos divisar a bela Baía de Guanabara. Em 15 de maio de 1959 foi criado o Diretório Acadêmico Maria Kiehl (assistente social formada em São Paulo e que atuou no planejamento e organização da escola).

Vários nomes substituem essas pioneiras. Situamos aqui um começo. Contudo, homens e mulheres passaram pela direção da Escola de Serviço Social de Niterói, por suas salas de aula, por seus corredores. As vidas dessas pessoas construíram essa escola e ajudaram a construir uma profissão. A memória da ESS pode ser recolhida em várias passagens onde o público e o privado se entrelaça. A história da escola é parte integrante da vida dessas mulheres e homens e também da cidade de Niterói e da Universidade Federal Fluminense. A história oficial não elucida as especificidades e o protagonismo daquelas e daqueles que lutaram e desejaram a construção de uma profissão, transcendendo às origens de classe e os estereótipos de gênero. Resgatar essa história e esses agentes é uma forma de politizar as formas de inserção dos sujeitos, sobretudo das mulheres – precursoras da alteração dos palcos de ajuda em arenas de consolidação da vida política.

A trajetória de construção do Serviço Social na Universidade Federal Fluminense acontece, portanto, a partir de muitas realizações no campo da assistência, sobretudo na área da educação em Niterói e na LBA. Deve-se considerar também a importância das contribuições de outras escolas e do empenho dessas pioneiras para que o Serviço Social se tornasse uma profissão.

A partir desses meios iniciais e das lutas dessas e de outras mulheres para o reconhecimento do ensino, se inicia uma reforma não só na universidade, mas em todo o campo de trabalho para as mulheres. Todo esse processo traduz a ousadia e a vitória dessas mulheres que desafiaram o conservadorismo de sua época e transformaram a universidade num espaço onde a mulher conquista a sua independência a partir de sua profissão. Como afirma D. Nilda Ney, para a “defesa” da mulher é fundamental a cultura, a instrução e a independência econômica: “no dia em que a mulher tiver independência econômica, ela é dona de si mesma”. Não podemos deixar de concluir utilizando outra frase de Nilda Ney: “Desde que a mulher foi trabalhar ela ficou independente, porque o que dá independência à mulher não é o casamento, é a profissão e independência econômica e a cultura”.


[1] A Universidade Fluminense, com sede em Niterói foi criada pela Lei 808 de 10/03/1950. Posteriormente, passou a denominar-se Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Lei  3656 de 12/06/1958). Fonte: FIQUEIREDO, M. B. “Democratização da Educação Superior (1945-1968) – transformações exemplificadas pela trajetória da Escola de Serviço Social/Niterói da Universidade Federal Fluminense”. Monografia de Final de Curso de Pós-Graduação em História do Brasil pós-30 (ICHF-UFF), 2007.

[2] Foi pela Lei 4.831 de 05/11/1965 que a UFERJ (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro) passa a se chamar UFF (Universidade Federal Fluminense), resgatando-se, dessa forma, seu antigo nome. Fonte: FIQUEIREDO, M. B. “Democratização da Educação Superior (1945-1968) – transformações exemplificadas pela trajetória da Escola de Serviço Social/Niterói da Universidade Federal Fluminense”. Monografia de Final de Curso de Pós-Graduação em História do Brasil pós-30 (ICHF-UFF), 2007.